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University of Helsinki
GLOBALIZAÇÃO E DIREITO PENAL ECONÔMICO
MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA
Professor Titular em Direito Processual Penal da PUC/SP
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo
Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal
Secretário-Geral Executivo da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa
1. Sociedade globalizada e Direito Penal.
O termo globalização, dos mais utilizados e ainda mal compreendido, no dizer de Ulrich Beck1, além de mal definido é nebuloso, embora apresente uma maior eficácia política.
1 BECK, Ulrich, “O que é globalização”, trad. André Carone, São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1999, p.44
De fato, todas as justificativas para os problemas da atual sociedade, com suas complexidades, são atribuídos ao fenômeno da globalização. Esta característica das relações pessoais de comunicação indica a existência de um risco constante e também provoca inúmeros debates nos âmbitos filosófico e sociológico. Os reflexos destas controvérsias atingem, de forma direta, o direito e o direito penal.
No âmbito do direito penal o problema da dogmática está em encontrar uma fórmula adequada para administrar os riscos decorrentes desta globalização, não se vislumbrando um instrumento eficaz para, pelo menos, prevenir-se os efeitos danosos do desenvolvimento tecnológico, científico e dos demais meios de comunicação, nestes se incluindo os negócios econômicos.
A sociedade globalizada, com sua característica de sociedade da comunicação, traz no seu bojo as transformações sociais até então não 2
conhecidas, ou levadas em conta pelo direito, ou pelo direito penal.
Os conflitos valorativos deixaram de ter um círculo limitado, e levaram a dogmática jurídico-penal a deparar-se com conflitos sociais até então desconhecidos. Os cidadãos começaram a sentir os efeitos danosos, e muitas vezes relevantes, de situações que fugiam à constante de uma relação comunicativa entre duas pessoas (crimes denominados comuns, roubo, estelionato, contra liberdade sexual), para uma comunicação onde o emissor e o receptor não são individualizados, mas se referem a uma organização, ou a várias pessoas. Temos como exemplo, o tráfico de entorpecentes, nacional e internacional; os crimes contra a saúde pública; os crimes contra o meio ambiente e os crimes contra a economia ou contra o consumidor.
No âmbito econômico, o fenômeno da criminalidade é o que mais chama a atenção dos cientistas do direito, isto porque, vem ligado à criminalidade organizada, que tem como pano de fundo a lavagem de dinheiro. Laura Zúñiga Rodriguez2, anota que não se pode desdenhar o crime como negócio globalizado, pois a globalização das leis econômicas tem um feitio estimulante do crime organizado e este influi nas relações internacionais e no fluxo de capitais a nível global.
2 ZÚÑIGA RODRIGUEZ, Laura. Bases para um modelo de imputación e responsabilidad penal a las personas jurídicas. Navarra: Thomson/Aranzadi, 2003, pág. 61
3 BAJO FERNANDEZ, Miguel. El derecho penal economico. Un estudio de derecho positivo español.” Anuário de Derecho Penal y Processo Penal, 1973, pág. 94 segs.
Assim, para tratar desta nova criminalidade, deve ser incorporado um conjunto de institutos que trabalhem com o risco, diante da profunda diversidade, de forma a entender-se um sistema como uma unidade.
2. Direito penal econômico: conceito e autonomia.
O conceito de Direito Penal Econômico, até o momento, apresenta dificuldades, não havendo unanimidade na doutrina. As divergências têm origem na própria conceituação de direito econômico. Conforme Miguel Bajo Fernandez3, pretende-se adotar uma direção 3
metodológica, como um novo modo de analisar o problema econômico na sociedade atual. Numa segunda direção, estão os que entendem que o direito econômico agrupa toda a normativa de direito público e privado sobre a economia. E uma terceira, do citado autor, identifica o direito econômico com o direito da economia dirigida pelo Estado.
As divergências conceituais são procedentes, isto porque, neste novo aspecto do Direito Penal houve o surgimento de numerosos crimes contra a ordem econômica que não puderam ser tipificados adequadamente, mas apenas de acordo com uma legislação simbólica, questionando a sua eficácia, bem como a utilidade da pena, nestes casos4.
4 Podem ser citadas no Direito brasileiro a Lei 8.137/90 e a Lei 8.884/90, apenas como exemplificação, que pretenderam reprimir os crimes econômicos e tributários sem o devido sucesso, ainda porque a metodologia aplicada na sua interpretação é o tecnicismo-jurídico, causalista, incompatíveis com a dogmática penal da atualidade.
5 COSTA, José de Faria. Direito Penal Económico, Coimbra: Editora Quarteto, 2003, págs. 13 e segs.
6 MARTINEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho Penal Económico, Parte General, Valencia, Tirant lo Blanch, Libros, 1998., pág. 21.
7 HASSEMER Winfried y MUÑOZ CONDE, Francisco. La responsabilidad por el producto en
A dificuldade em estabelecer-se uma autonomia científica ao direito penal econômico é analisada, de forma clara, por José de Faria Costa5, que, após apontar os requisitos de uma nova disciplina e estabelecer o que denomina de “vertigem da especialização”, conclui que o direito penal econômico não é apenas um nome, mas, diante da produção teórica sobre a matéria é “um bom indício de autonomia e especialidade”.
Em sentido contrário, Carlos Martinez-Buján Pérez6, afirma que não se trata de estabelecer-se uma nova disciplina, mas da aplicação do direito penal comum, com algumas correções ou matizações, para a análise do mencionado direito penal econômico.
Esta postura já fora adotada pela denominada Escola de Frankfurt de Direito Penal, que tem em Winfried Hassemer seu expoente principal, que critica a expansão do Direito Penal para além de suas fronteiras atuais, inclusive para atingir novos setores, o que seria um sacrifício ao Estado de Direito com suas garantias7. 4
Derecho Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1995, págs. 31 e segs.
8 COSTA, José de Faria. op. cit. pág. 43.
Na conceituação do Direto Penal Econômico, desta forma, há de se levar em conta vários aspectos, em especial, que pretende proteger, preventivamente, a economia, num sentido amplo. Esta proteção, mesmo que o defina como um ramo específico do direito penal, não pode deixar de considerar os institutos já consolidados do direito penal.
O importante é ressaltar que o bem jurídico tutelado pelos tipos penais econômicos deve ser analisado à luz de uma sociedade complexa, de risco, que o direito penal comum não dispõe de institutos para enfrentá-los.
3. Bem jurídico e Direito Penal Econômico.
No caso do direito penal econômico, é pacífico na doutrina que suas normas têm por objetivo proteger bens jurídicos supra-individuais e, para tanto, se socorre dos denominados crimes de perigo abstrato.
O direito penal econômico protege os bens jurídicos supra-individuais, o que é examinado por José de Faria Costa, indicando certos comportamentos que atingem membros da comunidade econômica e têm uma tendência, já apontada, de construir, neste direito penal econômico, crimes de perigo concreto e, sobretudo abstrato8.
Os bens jurídicos supra-individuais têm em comum que se dirigem a interesses de uma coletividade e não a uma pessoa. Portanto, sua titularidade é atribuída a várias pessoas, não identificáveis, ou seja, uma coletividade, o que limita o consentimento, com relação à existência do tipo, ou mesmo caracterização do dano.
No aspecto econômico, nos bens jurídicos supra-individuais não há, especificamente, um dano material apreensível ou concreto capaz de possibilitar a mensuração do mesmo. Daí, duas consequências imediatas ocorrem com o direito penal econômico: a primeira, referente aos tipos penais que são de perigo concreto ou abstrato; a segunda, a necessidade do recurso à imputação objetiva, como única forma de relacionar-se uma 5
ação a uma responsabilidade penal.
O direito penal não pode apresentar-se como um instrumento além de seus limites de controle social, na sociedade de risco, ou sociedade complexa. O essencial, na técnica legislativa, é limitar a expansão, tendo em vista o risco que, efetivamente, ocorre para as pessoas, a fim de transformar uma conduta em conduta típica punível.
A expansão, inclusive com suas características simbólicas, pode determinar vários problemas para o direito penal, como por exemplo, contrariar o princípio da intervenção mínima, posto que incompatíveis.
Há propostas, nesta limitação, que podem ser levadas em conta, como a vinculação dos bens jurídicos supra-individuais a uma proximidade de violação de bens jurídicos pessoais. Evita-se, assim, a utilização de fórmulas vagas, abstratas e gerais, que não são suscetíveis de lesão ou colocação em perigo “não abrangidas pelo dolo do autor e que podem ser veículos de introdução de ilícitos formais próprios do direito administrativo9”.
9 RODAS MOLSALVE, J.C. Protección penal y meio ambiente. Barcelona: PPU, 1994, pág. 100.
Na atualidade, diante do desenvolvimento social, não há como deixar de fazer a distinção entre os bens jurídicos individuais (protegidos com relação à pessoa e a ela vinculados) e os bens jurídicos universais (que apresentam um potencial risco à pluralidade de vítimas), sendo hoje um postulado da política criminal identificar com maior precisão possível a lesão a estes bens jurídicos, evitando-se as abstrações, como uma forma de admitir-se uma garantia do direito penal.
O que se pode afirmar, é que o sistema fechado é incompatível com o direito penal da denominada sociedade de risco, sociedade complexa ou sociedade da comunicação, porque apoiado numa lógica formal que não corresponde à dinâmica desta sociedade. Ao contrário, o sistema aberto representa a tentativa, sempre atual, de direcionar os institutos penais aos conflitos atuais, o que também alcança o direito penal econômico, que deve ser, pelas suas características, um 6
sistema aberto.
Com relação à segurança jurídica, há críticas de que o direito penal poderia gerar a insegurança, enquanto sistema aberto, mas tal não ocorre, uma vez que está presente, em todas as decisões penais, o princípio da legalidade que é uma conquista história irrenunciável.
O fenômeno da globalização determinou uma revolução com implicações na economia, na política, na tecnologia e na cultura10. E não é apenas um fenômeno que se relaciona com grandes sistemas, como a ordem financeira mundial. Ela se relaciona, também, com o indivíduo em seu interior, que influencia aspectos íntimos e pessoais de nossas vidas, como por exemplo o debate que ocorre em diversas partes do planeta sobre os valores da família e de seus tradicionais sistemas que estão a sofrer uma transformação severa.
10 GUIDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Lisboa: Editorial Presença, 2000, pág. 22.
11 CASTELLS, Manuel: Para o Estado rede: globalização econômica e instituições políticas na era da informação.in, Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: UNESP, 2001, pág. 149.
Todos estes aspectos têm influência no direito penal, pois a globalização é um fenômeno plural e complexo, conforme Manuel Castells11 onde “as atividades decisivas num âmbito de ação determinado (a economia, os meios de comunicação, a tecnologia, a gestão do ambiente e o crime organizado) funcionam como unidade de tempo real no conjunto do planeta”. Assim, esse fenômeno transpõe os limites territoriais, determinando uma nova ordem jurídica.
No âmbito do direito penal, diversamente do que se possa afirmar, os princípios e as regras fornecem, no interior da dogmática jurídico-penal, a segurança mínima que se pretende, inclusive através de valores sociais de consenso, não se caracterizando o direito penal como algo arbitrário.
O princípio da legalidade, enquanto garantia constitucional, assegura que somente se pode punir quando uma lei anterior defina a conduta como crime, devendo fazê-lo de forma clara e precisa, como um tipo penal fechado. 7
Assim, conforme já escrevemos: “A atual concepção do princípio da legalidade, no denominado quadro da função de garantia da lei penal, tem determinado o seu desdobramento em quatro garantias básicas. Assim o princípio da legalidade exige, para sua completa observância: a existência da lex praevia, que significa proibição de edição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade; da lex scripta, que determina a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário; da lex stricta, que é a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem), e da lex certa, que é a proibição de leis penais indeterminadas12”.
12 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, pág. 8.
13 SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. A expansão do Direito Penal. trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, pág.75.
14 Idem.
4. Sistema Internacional de Direito Penal e o Crime Econômico.
A denominada sociedade de risco, que traz as idéias de globalização e de informação, tem aspectos sociológicos que influenciam a dogmática jurídico-penal. Existe uma expectativa social no sentido de que cabe ao Direito Penal dar a resposta eficaz a este tipo de criminalidade13.
A nova terminologia que se busca, sociedade de risco, direito penal do risco, e outras, enfrenta sérios problemas diante dos conceitos clássicos do direito penal, de modo que, num determinado momento, orientam-se no sentido de uma “demolição do edifício conceitual da teoria do delito, assim como o do constituído pelas garantias formais e materiais do direito penal14”.
Diante destes fatos, surge a questão sobre a abrangência do direito penal num sistema internacional, em especial no âmbito econômico, quando se confrontam de um lado aqueles que pretendem manter a expansão da dogmática jurídico-penal, atingindo fatos internacionais, e os que propugnam a redução dos efeitos do direito penal a um mínimo. 8
O caráter expansionista do Direito Penal é apontada por Winfried Hassemer15, que apresenta três características, referentes à parte especial: a primeira como sendo a proteção de bens jurídicos universais e não individuais; a segunda, recurso à técnica do perigo abstrato, que ampliam enormemente o âmbito de aplicação do direito penal e, uma terceira, a estas características conduzem à construção de delitos sem vítimas ou de vítimas difusas, não se exigindo um dano.
15 MARTINEZ BUJAN PÉREZ, Carlos Maria. Refleciones sobre la expansión del Derecho Penal en Europa com especial referencia ao ambito economico: la teoria del “big crunch” y la selección de bienes jurídico-penales. In La Politica Criminal en Europa, Coord. Victor Gómes Martín. Barcelona: Atelier penal. 2004, pág. 92.
16 Idem.
17 GRACIA MARTIN, Luis. Prolegómenos para la lucha por la modernización y expansión del derecho penal y para la critica del discurso de resistencia. Valencia: Tirant lo blanch, 2003, pág. 90.
Silva Sanchez, ao criticar a expansão do Direito Penal, se afasta da proposta da Escola de Frankfurt, em especial no que diz respeito à criação de um direito de intervenção, e propõe um Direito Penal que denomina de duas velocidades, segundo o qual, as regras de imputação deveriam observar os delitos apenados com privação da liberdade e, num segundo, os vinculados a outros gêneros de sanções, como as privativas de direitos, multas e sanções que recaem sobre as pessoas jurídicas. Neste último caso está o direito penal econômico, que admitira a flexibilização controlada de tais regras e garantias16.
Estas observações demonstram que a dogmática jurídico-penal ainda não encontrou um rumo concreto para enfrentar a nova modalidade de crimes, relacionados com a economia.
A atividade econômica, nas últimas décadas, se desenvolveu nos amplos complexos internacionais que se formaram de maneira artificial, determinando uma globalização da economia com a formação mundial de mercados homogêneos, que se impõem aos Estados, fugindo de seu controle político e da ordenação jurídica17.
A internacionalização da economia faz surgir o problema da subordinação da atividade econômica a uma ordem jurídica comum. 9
Neste sentido, tendo-se como exemplo a União Européia, verifica-se que, apesar da integração em outros setores administrativos e mesmo sociais, no âmbito do direito penal não se conseguiu, ainda, ao menos pelo que se tem notícia, uma orientação uniforme.
Há uma incidência indireta do direito comunitário sobre o direito nacional, que é determinada pelo discurso jurídico-penal autônomo18. Existe, também, uma influência negativa e positiva dos efeitos penais do direito comunitário “que não devem ser encarados como elementos de um pretenso sistema penal comunitário em vias de lento desenvolvimento: eles consubstanciam, muito simplesmente, uma certa “comunitarização” do direito penal interno.”
18 CAEIRO, Pedro. Perspectivas de formação de um direito penal na União Européia. in, Direito Penal Económico Europeu: Textos doutrinários. vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, pág. 522.
19 DANNECKER, Gerhard. Evolución del derecho penal y sancionador comunitario europeo. Trad. Carmem Bascón Granados. Barcelona: Marcial Pons, 2001. pág. 64.
20 CAIEIRO, Pedro. op. cit., pág. 531.
No caso de conflito entre as normas do direito comunitário e o direito nacional cada um com seu âmbito de aplicação jurídica definido, não há uniformidade na solução dos mesmos, uma vez que o direito comunitário não contempla as formas de solução dos conflitos. De qualquer modo, as disposições comunitárias regulam os incidentes entre os Estados membros, e as disposições nacionais regulam as questões no interior de cada um dos Estados membros19.
Ressalte-se, desta forma, que na União Européia ainda não se encontrou uma fórmula para combater a criminalidade econômica e várias são as propostas, sendo a de um direito administrativo sancionador externo “que reprime as infrações a uma certa ordenação da vida social imposta pela administração segundo critérios de oportunidade (as Ordnungswidrigkeiten do direito alemão e as contra-ordenações do direito português)20.
Esta fórmula vem ganhando espaço cada vez maior, em especial porque, este ramo de criminalidade adquire uma forma diferenciada por ser, no geral, uma organização permanente e estável, transnacional e 10
com poder econômico acentuado. Trata-se de uma criminalidade organizada que tem a seu favor todo o avanço tecnológico e científico, podendo mudar o panorama das atividades em segundos, o que lhe confere atributos incontroláveis pelo direito penal clássico.
O que se pode concluir, com José de Faria Costa21 é que o processo de adaptação da criminalidade é superior ao dos sistemas formais de controle, o que lhe dá enorme vantagem, tanto no âmbito nacional como internacional.
21 COSTA, José de Faria. op cit., pág. 88.
22 DANNECKER, Gerhard. op. cit., pág. 44.
O problema constitucional no combate à criminalidade econômica tem por base uma melhora na cooperação no âmbito do direito penal, não havendo um poder de punir para a União Européia, diante da manutenção da soberania nacional pelos Estados membros.
As relações entre o direito comunitário e o direito penal foi objeto de debates, concluindo-se por uma cooperação maior para a proteção de interesses financeiros. Uma parte da doutrina recomenda a unificação do Direito Penal na Europa como “uma necessária e desejada conseqüência dos enlaces econômicos e políticos entre os Estados, recomendando a elaboração de um modelo de Código Penal europeu. As hipóteses para ele tem sido até agora favoráveis, por haver reafirmado os limites de uma cultura penal comum com a observância dos direitos humanos e do princípio da ultima ratio. A doutrina dominante se mantém cética diante desta proposta22”.
Na União Européia, existe uma integração econômica e política que aproxima os Estados membros. A integração econômica supõe políticas comuns, mas não se consegue um acordo com relação à política criminal e muito menos com a uniformização das leis penais.
As fronteiras, ao mesmo tempo que se abrem para os cidadãos, servem de caminho para a delinquência organizada que se aproveitam dos canais internacionais livres para mover-se. Desta forma, a 11
criminalidade organizada, com sua estrutura de sociedade comercial, utiliza as possibilidades para movimentar capitais ilícitos, mercadorias ilícitas, aproveitando-se das lacunas da punibilidade23.
23 ZÚÑIGA RODRIGUEZ, Laura. op. cit, pág. 71.
24 DANNECKER, Gerhard. op. cit. pág. 42.
25 Idem.
26 Ibidem, pág. 45.
Há uma resistência dos Estados membros a uma harmonização no âmbito do direito penal material e processual, não havendo mesmo no denominado “Livro Branco da Comissão da Comunidade Européia”, de junho de 1998, sobre o cumprimento do mercado interno, não faz menção ao âmbito do direito penal24.
A cooperação policial e judicial em matéria penal foi acordada através do Tratado de Amsterdam, de 1997, no sentido de que devam ser tomadas “progressivamente medidas que estabeleçam normas mínimas relativas aos elementos constitutivos dos delitos e das penas nos âmbitos da delinquência organizada, o terrorismo e o tráfico de drogas25”.
Constata-se, portanto, a preocupação dos países membros da União Européia em prevenir-se da criminalidade organizada, incluindo nesta a criminalidade econômica nos seus vários âmbitos, muito embora, como foi dito, não há prevalência do direito comunitário sobre os nacionais, mantendo-se a soberania dos Estados-membros. Ao mesmo tempo, existe a intenção de que se estabeleçam os princípios de uma futura política criminal.
Há, também, uma idéia favorável de haver uma cultura penal comum que observância dos direitos humanos e do princípio da ultima ratio, com a unificação das normas penais que se dirigem contra bens jurídicos supranacionais, embora seja questionável a exigência de um modelo de Código Penal europeu26.
A cooperação internacional, no combate à criminalidade organizada, é uma necessidade, mas ainda tem muito que caminhar, no sentido de poder, pelo menos, ter uma base dogmática jurídico-penal 12
comum, o que será, certamente, proposta para o futuro.
5. Conclusão.
O Direito Penal, para não perder o controle social, busca novas fórmulas, incorporando, no seu conjunto, institutos que trabalhem com os riscos. Devemos ter em conta que o bem jurídico protegido nos tipos penais do direito penal econômico é difuso, tem um caráter social e se dirige a uma coletividade, tendo por titularidade várias pessoas, não identificáveis, o que exclui o consentimento.
No combate e prevenção da criminalidade econômica, o direito penal não pode apresentar-se como um instrumento além dos limites do controle social, evitando-se, quanto possível, a técnica legislativa de expansão do direito penal, de forma simbólica.
A internacionalização da economia faz surgir o problema da subordinação da atividade econômica a uma ordem jurídica comum, o que dificulta, no plano internacional, uma orientação uniforme ao direito penal. Assim, a manutenção da soberania dos Estados membros da União Européia determina uma melhoria na cooperação dos instrumentos penais, o que exclui um poder de punir exclusivo dessa Comunidade.
A cooperação internacional é uma necessidade no combate a macrocriminalidade organizada, devendo ser encontrada uma dogmática jurídico-penal comum, como proposta para o futuro.
A delinquência econômica atual é internacionalizada e ligada à universalização da economia que se organiza, inserindo-se numa criminalidade globalizada.