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Direito ao esquecimento – posicionamento jurisprudencial brasileiro
Marco Antonio Marques da Silva*1
Professor Titular da Faculdade de Direito da PUC/SP; Coordenador do Núcleo de Pesquisas em Direito Processual Penal (Mestrado e Doutorado) da PUC/SP; Professor Visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal) e Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Brasil).
A sociedade globalizada, caracterizada atualmente como sociedade da comunicação, traz em seu bojo as transformações sociais até então não conhecidas, como a nova realidade de processamento e veiculação de informação, com acesso e disseminação em escala mundial em fração de segundo, sendo por isso, denominada também de “sociedade da informação”.
Nesse novo tempo, a explosão de informações de todo e qualquer conteúdo, de forma irrestrita e ilimitada, não só pelos meios de comunicação de massa, como rádio e televisão, mas também e principalmente pelas redes sociais e demais veículos da internet, com transmissão de dados e velocidade em proporções muitas vezes incomensuráveis, traz consequências de toda ordem, com reflexos políticos, religiosos, sociais, antropológicos, econômicos, fundamentais e etc.
Surgem, então, novos conflitos valorativos, que deixam de ter um círculo limitado e assumem âmbito social. Os cidadãos começam a sentir os efeitos danosos, e muitas vezes relevantes, de situações que fogem à constante de uma relação comunicativa entre duas pessoas, para uma comunicação onde o emissor e o receptor não são individualizados.
Na era digital há pouca ou nenhuma possibilidade de limitar a divulgação de fatos, que podem tornar-se de conhecimento universal com velocidade incrível. Mas, além disso, tais fatos acabam por se eternizar nos gigantescos bancos de dados que alimentam a internet, passíveis de consulta a qualquer momento, em qualquer época, por qualquer pessoa.
Nesse ponto verifica-se a colidência entre o direito à informação e liberdade de imprensa com os direitos fundamentais da intimidade, honra, imagem e 2
até mesmo da dignidade da pessoa envolvida.
Não podemos, no entanto, deixar de considerar a necessidade de resguardar a dignidade humana inerente a todos os indivíduos, impondo o respeito mútuo entre as pessoas, inclusive no ato da comunicação, e que se opõe a uma interferência indevida na vida privada pelo Estado. A este cabe, ainda, criar condições favoráveis para sua integral realização.
A dignidade humana está ligada a três premissas essenciais: a primeira refere-se ao homem, individualmente considerado, sua pessoalidade e os direitos a ela inerentes, chamados de direitos da personalidade; a segunda, relacionada à inserção do homem na sociedade, atribuindo-lhe a condição de cidadão e seus desdobramentos; a terceira, ligada à questão econômica, reconhecendo a necessidade de promoção dos meios para a subsistência do indivíduo.
Conforme Jorge Miranda, grande professor português: “Característica essencial da pessoa – como sujeito, e não como objecto, coisa ou instrumento – a dignidade é um princípio que coenvolve todos os princípios relativos aos direitos e também aos deveres das pessoas e à posição do Estado perante elas. Princípio axiológico fundamental e limite transcendente do poder constituinte, dir-se-ia mesmo um metaprincípio2.”
2Miranda, Jorge. A Dignidade da Pessoa Humana e a Unidade Valorativa do Sistema de Direitos Fundamentais, in Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, 2ª edição. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 170.
3 Silva, Marco Antonio Marques da. in: Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, 2º edição. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 227.
Portanto, a dignidade decorre da própria natureza humana, o ser humano deve ser sempre tratado de modo diferenciado em face de sua natureza racional. O seu respeito não é uma concessão do Estado, mas nasce da própria soberania popular, ligando-se a própria noção de Estado Democrático de Direito3.
Os direitos fundamentais, por sua vez, constituem “o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições 3
mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana4”.
4 Moraes, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2000, p. 39.
5 Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. t. IV, 4ª ed. Coimbra Editora, 2008, p. 89.
Na área dos direitos fundamentais, passamos por várias dimensões, desde as liberdades públicas negativas, os direitos positivos, além daqueles relacionados com a autodeterminação informativa e à informática de modo geral.
Lembramos também aqueles pautados na interdisciplinaridade, com foco nas questões éticas e jurídicas, decorrentes do progresso científico médico-biológico e sua repercussão na sociedade e no sistema de valores, tanto atual como futuro; funda-se na sentida necessidade de construção de princípios, regras e valores que tenham a capacidade de compatibilizar os direitos consolidados com as novas perspectivas que se apresentam à realidade humana, bem como a preservação e respeito à própria vida em sua intimidade biológica.
No entanto, devemos observar que a existência de direitos fundamentais separadas de sua garantia de nada vale, pois, como afirma Jorge Miranda, “[…]os direitos permitem a realização das pessoas e têm interferência imediata nas esferas jurídicas, enquanto as garantias estabelecem-se em função com o nexo que possuem com aqueles5”.
Assim, devemos ter em mente que o direito é sempre impregnado de conteúdo ideológico e de significação política. Com efeito, a Constituição Federal brasileira aos mencionar direitos e garantias fundamentais o faz usando essas expressões e, muitas vezes, há confusão nos seus sentidos.
Nessa linha de raciocínio, com relação à globalização, pautada especialmente na sociedade da informação, o tratamento jurídico não pode ser diferente. A tutela de bens supraindividuais, atrelada à informática, internet, redes sociais entre outros, deve receber maior atenção, com vista a assegurar a todos os meios de proteção aos direitos fundamentais, estabelecendo-se mecanismos eficazes de inserção das pessoas no mundo digital, mas de maneira condizente com os valores inerentes ao respeito e efetivação da Dignidade Humana. 4
Visando a salvaguarda desses direitos da personalidade frente à “hiperinformação”, desponta o chamado “direito ao esquecimento”, que pode ser entendido como aquele de não ser lembrado contra sua vontade, em relação a acontecimentos que lhe tragam alguma forma de pesar ou violação de direitos fundamentais.
A temática do direito ao esquecimento não é nova, mas hoje é alçada a assunto de fundamental importância em função do robustecimento da utilização da internet. Juristas como René Ariel Dotti6, já em 1998 escreviam sobre o tema. O direito ao esquecimento consiste na faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do passado que não tenham legítimo interesse público. Trata-se do reconhecimento jurídico “à proteção da vida pretérita, proibindo-se a revelação do nome, da imagem e de outros dados referentes à personalidade.”
6 Dotti, René Ariel. O direito esquecimento e a proteção do habeas data. in Habeas data, São Paulo: Editora RT, 1998, pág. 300.
7 Teixeira, Raphael Lobato Collet Janny. A liberdade de expressão e o direito ao esquecimento na internet. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, nº 137, Jul/Ago de 2015, págs. 54/60.
8 Fleischer, Peter. Foggy thinking about the right to oblivion. Peter Fleischer: Privacy…?. Disponível em http://peterfleischer.blogspot.com.br/2011/03/foggy-thinking-about-right-to-oblivion.html, acesso em 10.05.17.
9 Khouri, Paulo R. o direito ao esquecimento na sociedade de informação e o enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil. in Revista de Direito do Consumidor, Ano 22, vol. 89, set/out
É sabido que a origem do direito ao esquecimento liga-se ao fato de ex-condenados desejarem que seu histórico criminal não fosse mais exposto. Nesse sentido, para Raphael Lobato Collet Janny Teixeira7 a origem do direito ao esquecimento vem do Direito Penal, com a reabilitação. No direito do consumidor, o esquecimento é acolhido na medida em que a lei estipula o prazo máximo de cinco anos para que constem em bancos de dados informações negativas acerca de inadimplência, independentemente do efetivo pagamento da dívida.
Segundo Peter Fleischer8, conselheiro da Google, o direito ao esquecimento deve ser dividido em três vertentes: a) o direito de apagar os dados que a própria pessoa torna disponível na internet; b) o direito de apagar as informações disponibilizadas pelo próprio usuário e copiadas/utilizadas por terceiros; e, c) o direito de apagar os dados disponibilizados por terceiros.
Outra discussão importante é aquela que se dá entre o direito ao esquecimento e a liberdade de informação. Paulo R. Kouri9 observa que se 5
2013, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, págs. 463/464.
10 Schereiber, Anderson. Direitos de Personalidade. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, pág. 174.
deve ponderar caso a caso os valores em jogo e pode ocorrer que o direito ao esquecimento deva ser sacrificado em prol da liberdade de informação. Entretanto, se a circulação da notícia em si, na rede, nenhum interesse público traz mais consigo, a sua permanência na rede para a “eternidade” pode agravar seriamente a ofensa à intimidade da pessoa.
É fato que o direito ao esquecimento não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a sua própria história. Para Anderson Schereiber10, o que o direito ao esquecimento assegura é a possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
Não será qualquer acontecimento que enseja sofrimento e tristeza que deverão ser retirados de uma plataforma digital pública, mas sobretudo aqueles que conforme Nelson Rosenvald11 perturbam intensamente a pessoa – ou os seus familiares -, a ponto de ansiar que o fato seja excluído do debate público ou sequer rememorado por qualquer membro da coletividade. Contudo, é imprescindível o balanceamento entre a proteção da intimidade e as liberdades informacionais. Com efeito, o direito ao esquecimento não propicia a ninguém o direito potestativo de submeter a sociedade à supressão de fatos ou à releitura da história (incluindo a própria história). Por outro lado, mostra-se eficiente mecanismo de controle sobre a razoabilidade do emprego dos fatos pretéritos, ou seja, a forma pela qual o evento é rememorado e a destinação a ele concedida. Cuida-se de uma tutela em face daquilo que conhecemos como superinformacionismo, uma fórmula bombástica que combina a velocidade do pós-moderno, que dissemina toda e qualquer notícia, com a curiosidade de uma sociedade ávida pelo entretenimento.
Na área da psicologia são estudados elementos para a superação de traumas e acontecimentos pretéritos que conferem dor ao ser humano. A elaboração do luto por situações e/ou perdas de difíceis reparações pode se dar de forma diversa entre as pessoas e os grupos. Com isso, é imperioso considerar-se que existem severas dificuldades no aferimento do que é ou não importante para o ser humano no tocante ao seu tipo e grau de sofrimento, 6
necessitando-se de uma avaliação de caráter interdisciplinar dada a complexidade das questões envolvidas 12.
12 Silva, Evani Zambon Marques da. A família no contexto da justiça: uma questão para o psicólogo. In: Actas do IX Congresso Iberoamericano de Psicologia/ 2º Congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Lisboa, Setembro, (pp. 796-804). Lisboa: Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2014.
13 Silva, Marco Antonio Marques da; Silva, Evani Zambon Marques da. Cyberbullying: aspectos jurídicos e psicológicos e o respeito à Dignidade Humana .Revista Faculdade de Direito da PUCSP. Vol.2 (pp.193-209), 2014.
Um exemplo disso pode ser a matéria relacionada ao cyberbullying, quando “as relações que se propagam eletronicamente trazem um contexto de agressão extremamente virulento e desestruturante para muitas pessoas, contribuindo para o surgimento de problemas emocionais ou o agravamento daqueles já existentes nos envolvidos”13.
Com o brilhantismo que lhe é peculiar, o Ministro Luís Roberto Barroso14, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, enxerga a utilização do chamado direito ao esquecimento como desculpa para retirar do ar uma matéria jornalística publicada na internet, é forma de censura. Segundo ele, o direito ao esquecimento é postulação que pode somente alcançar a retirada da informação do site de buscas, mas não daquele em que a matéria foi escrita e vai existir para sempre.
No Direito brasileiro, tal direito está garantido no inciso X, do artigo 7º, do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), nos seguintes termos:
Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
(…)
X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei;
No entanto, até o presente momento não temos nenhuma regulamentação a respeito de como deve ser feito esse requerimento, como se dará a exclusão, 7
nem mesmo a forma de responsabilização daqueles que deixarem de atender ao pedido.
Na VI Jornada15 de Direito Civil, do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal do Brasil, foi aprovado o Enunciado 531 que, com fulcro no artigo 11, do Código Civil brasileiro16, estabeleceu que: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”, apresentando como justificativa que Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
15 VI Jornada de Direito Civil, do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal do Brasil, ocorrida nos dias 11 e 12 de março de 2013, na sede do Conselho da Justiça Federal em Brasília/DF (Brasil).
16 Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
II – O Direito ao esquecimento nos Tribunais brasileiros:
1 – Supremo Tribunal Federal
Ação indenizatória promovida por irmãos de vítima de crime ocorrido — contra mídia televisiva que veiculou o programa Linha Direta Justiça. TJRJ: liberdade de expressão, que afasta responsabilidade civil do réu, mesmo que o uso da imagem não tenha sido autorizada pelos sucessores e tenha envolvido fins comerciais; esquecimento não é caminho salvador para tudo. Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao Recurso Especial. Direito ao esquecimento é aspecto da dignidade da pessoa humana, aspecto correspondente no Direito Civil à ressocialização no Direito Penal. Recurso não conhecido (STF – Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Com Agravo nº 833.248/RJ – Relator Ministro Dias Toffoli – Julgamento 11.12.2014).
Resumo do decidido (Ementa)-Direito constitucional. Veiculação de programa televisivo que aborda crime ocorrido há várias décadas. Ação indenizatória proposta por familiares da vítima. Alegados danos morais. Direito ao esquecimento. Debate acerca da harmonização dos princípios 8
constitucionais da liberdade de expressão e do direito à informação com aqueles que protegem a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da honra e da intimidade. Presença de repercussão geral.
2) – Superior Tribunal de Justiça
– Invocação do direito ao esquecimento em Direito Penal. Artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06; extensão do conceito de maus antecedentes. Condenação penal anterior, já expirado o período depurador de cinco anos da extinção da pena. Efeitos não podem persistir eternamente, sob pena de afastar-se do Direito Penal do Fato. Apontamentos específicos para o caso em concreto, cujo crime inicial ocorrera em 17/04/1997, a extinção da pena em 03/10/2003 e a condenação por tráfico de drogas em 16/05/2009. (Agravo em Recurso Especial nº 294.085/MG – Relator Ministro Rogério Schietti Cruz – Julgado em 01.06.2016).
– Veiculação de matéria jornalística falsa. Existência de responsabilidade civil da empresa responsável. Agravo a que se nega provimento. (Agravo em Recurso Especial nº 491.194/RJ – Relator Ministro João Otávio de Noronha – Julgado em 26.08.2015).
– Recusa do Facebook contra decisão que determinou obrigação de fornecer dados (IP e URL) de usuários que acessaram perfil daquele sítio. Alegação de impossibilidade de coleta dessas informações. Recurso não conhecido, mantendo-se decisão a quo que reconheceu mencionada obrigação de fazer. (Agravo em Recurso Especial nº 676.527/DF – Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira – Julgado em 30.04.2015).
– Reconhecido pelo TJDFT a inexistência de direito a indenização, mas o dever de retirada de matéria jornalística em caso de sequestro de menor de idade pelo pai, o qual fora absolvido criminalmente. Pretensão de afastar o dever de não republicação do tema não aceita, mantendo-se o a decisão guerreada. Jurisprudência forte da Corte no sentido de que “a assertiva de que uma notícia lícita não se torna ilícita com o simples passar do tempo não tem nenhuma base jurídica” (Recurso Especial 1.334.097/RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/05/2013). Anotou-se: “o interesse público pertinente a eventos criminais tende a desaparecer na medida em que se esgota a resposta penal conferida ao fato. Dessa forma, tendo o agravado obtido a absolvição, por certo, foi alcançado o limite máximo da vida útil da informação. (Agravo em Recurso Especial nº 704.929/DF – Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva – Julgado em 26.06.2015). 9
– Chacina da Candelária. Documentário exibido em rede nacional, programa Linha Direta Justiça, treze anos após o fato. Direito daqueles que cumpriram penas e dos absolvidos ao esquecimento. Direitos da personalidade versus liberdade de imprensa. Ausência de contemporaneidade. Ponderação de valores. Proteção da dignidade da pessoa humana. Solução transversal, multidisciplinar, na modernidade pós-moderna, com quebra da separação entre espaço público e privado tendo em conta a hiperinformação, com “riscos terminais à privacidade e à autonomia individual” (Bauman). A limitação da liberdade de imprensa de outrora não impede o balizamento e orientação dessa atividade com base em valores atuais. O jornalismo não deve legitimar a criação de histórias e personagens artificialmente famosos, em especial o jornalismo policial; este envolve “interesse ‘do’ público”, não necessariamente interesse público. Estabilização do passado e previsibilidade do futuro. O interesse público que justifica a publicidade do processo penal tende a desaparecer juntamente com a resposta penal. Presunção de regenerabilidade da pessoa humana, o que seria um direito à esperança. Veiculação do autor ressaltou a imagem de indiciado, não a de absolvido, como o foi, de maneira que reacendeu a desconfiança pública sobre si. Ocorrência de responsabilidade civil, com dever de indenizar (Recurso Especial nº 1.334.097/RJ – Relator Ministro Luís Felipe Salomão – Julgado em 28.05.2013).
– Programa Linha Direta Justiça. Caso Ainda Curi, ocorrido em 1958. Reconhecimento do direito ao esquecimento, porém sem o aplicar ao caso concreto. Impossibilidade de desvinculá-lo ao caso concreto (R Especial nº 1.335.153/RJ – Relator Ministro Luís Felipe Salomão – Julgado em 28.05.2013).
– Crime de fornecimento e divulgação de cenas de imagens pornográficas e de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes pela internet. Pedido de sigilo sobre tipificação e nome do réu. Previsão de sigilo para proteção da criança e do adolescente, os quais terão suas informações pessoais resguardadas. O mesmo não se aplica ao réu, devendo se submeter à regra geral de publicidade dos atos processuais: prevalência do interesse público sobre o particular. O revestimento de segredo judicial recai sobre fases ou pontos específicos de processo, devendo o caráter absoluto ser reservado para situações concretamente justificáveis; nesse sentido, a repulsa social causada pelo delito não seria motivo legítimo para decretação de sigilo absoluto sobre dados básicos do caso (Recurso em Mandado de Segurança nº 49.920/SP – Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca – Julgado em 02.08.2016). 10
3 – Tribunal de Justiça de São Paulo
– Decisão de antecipação de tutela que determinou a retirada de notícia de sítio eletrônico, por gerar dano de difícil reparação à imagem. Caso: autor teria considerado pela Polícia como possível membro de organização criminosa, fato este ocorrido em 2002. Fundamento: direito ao esquecimento. Cabimento da antecipação (Agravo de Instrumento nº 2011446-44.2015.8.26.0000 – 6ª Câmara de Direito Privado – Relatora Desembargadora Ana Lúcia Romanhole Martucci – Julgado em 20.05.2015).
– Tutela antecipada. Decisão que determinou a remoção dos mecanismos de pesquisa de resultados sobre o caso: Escrivã de Polícia que teria sido investigada pelo Ministério Público de São Paulo (GECEP), cujo procedimento fora posteriormente arquivado em 2010. Antinomia entre a liberdade de expressão e os direitos de personalidade da autora agravada. Ponderação, estabelecendo-se limites de ambos os direitos e alcançar o saldo mais favorável ao caso que se apresenta. No caso concreto, o direcionamento a páginas que trazem informações relativas ao episódio mencionado, ao se inserir o nome da agravada no site de busca da ré, traz sérios incômodos a este, ainda mais se levando em conta o fato de que o procedimento em que se apurou sua conduta foi arquivado. Direito ao esquecimento. Cabimento de antecipação da tutela (Agravo de Instrumento nº 2031385-10.2015.8.26.0000 – 6ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Francisco Loureiro – Julgado em 26.03.2015).
– Obrigação de fazer. Pedido de remoção de páginas na internet que mencionam procedimentos investigatórios do Ministério Público envolvendo o autor e que foram arquivados. Direito ao esquecimento. Decisão reformada para determinar a remoção pelo sítio de pesquisa dos endereços que contém informações sobre os apontados procedimentos arquivados (Agravo de Instrumento nº 2215871-67.2014.8.26.0000 – 10ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Araldo Telles – Julgado em 28.07.2015).
– Pretensão de exclusão de dados, em virtude da reabilitação criminal concedida, sobre processos criminais inseridos no site de buscas da Internet denominado “Google Search”. Aplicação do “direito ao esquecimento”. Não configurado o interesse público em manter tais informações (Apelação nº 0004144-77.2015.8.26.0297 – 20ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Roberto Maia – Julgado em 25.04.2016).
– Liberdade de imprensa e de informação versus direitos da personalidade: Direito Civil e Constitucional. Notícia de prisão em flagrante de suspeito de 11
crime, posteriormente arquivamento, publicada em site jornalístico da internet. Direito ao esquecimento do investigado. Inexistência de interesse público na permanência da notícia. Necessidade de estabilização dos fatos passados. Prevalência, no caso, da proteção da dignidade da pessoa humana. Colisão de direitos fundamentais. Solução mediante juízo de ponderação. Pedido julgado procedente para determinar que a ré providencie a exclusão da notícia impugnada de sua página na internet. Sentença reformada (Apelação nº 0007766-17.2011.8.26.0650 – 6ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Paulo Alcides – Julgado em 08.05.2014).
– Autor, delegado de polícia, que foi investigado em procedimento administrativo que, ao final, foi arquivado. Direito ao esquecimento. Provedor de pesquisas que continua a apontar diversos links que remetem às notícias que denigrem a imagem do autor. Sentença de extinção sem resolução de mérito, sob o argumento de que o Google não tem legitimidade passiva. Precedente do Superior Tribunal de Justiça que ignora que o lesado pode ter duas diferentes pretensões, quais sejam, eliminar as próprias notícias dos sites que as veicularam ou apenas eliminar os links a que o provedor de pesquisa remete. Não parece razoável seja o autor obrigado a ajuizar demandas contra todos os administradores de sites em que a notícia tenha sido veiculada. Legitimidade do réu. Sentença anulada. Recurso provido (Apelação nº 1003642-61.2014.8.26.0005 – 6ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Francisco Loureiro – Julgado em 02.12.2014).
– Obrigação de fazer cumulada com indenizatória por danos morais. Inclusão do nome dos autores em cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas a de escravo. Fato publicado em diversas páginas da internet. Ajuizamento de ação na Justiça Federal que resultou na exclusão do nome da empresa ré do cadastro. Pedido de que as páginas que mencionam a exclusão sejam inibidas pela ré dos resultados apresentados por seu buscador. Possibilidade. Direito ao esquecimento. Irrelevância do tema e ausência de interesse público a justificar a manutenção da notícia, especialmente diante da sentença favorável. Dano moral não caracterizado, porque o fato era considerado verídico e atual ao tempo da inserção das matérias jornalísticas. Recurso parcialmente provido (Apelação nº 1082816-28.2014.8.26.0100 – 7ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Luiz Antonio Costa).
4 – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios 12
– Caso de suposto sequestro de filho pelo pai. Absolvição criminal, e ainda assim possibilidade de leitura da matéria jornalística em sítio eletrônico passados mais de três anos do acontecimento. Inexistência de direito a indenização por danos morais porque a matéria apresentava interesse público, revelando-se dentro da liberdade de imprensa. Todavia, imposição de retirada da matéria uma vez que não se trata de fato histórico, que se submete ao direito à memória ou à verdade histórica (Apelação Civil 20100112151953 – 6ª Turma Cível – Relatora Desembargadora Vera Andrighi – Julgado em 19.03.2014).
– Matéria ofensiva à honra publicada em blog. Reconhecimento do direito ao esquecimento de tal informação pela vítima, reconhecendo-se dever do provedor a impedir acesso a ela mediante consulta pelo nome do ofendido (resultados positivos em busca). (Apelação Cível 20130110070648ACP – 1ª Turma Cível – Relatora Desembargadora Maria Ivatônia – Julgado em 19.05.2015).
5 – Tribunal de Justiça do Paraná
– Crimes cometidos por diretora de creche municipal, cuja prescrição da pretensão punitiva fora reconhecida. Depois de dez anos, ainda era possível acessar o caso pela internet. Ofensa ao direito de esquecimento, sendo determinado a provedores de busca que impeçam a localização de páginas sobre o caso mediante pesquisa do nome da autora e alguns endereços eletrônicos citados. Imposição de multa diária por dia de descumprimento das rés (Apelação Cível 1.386.268-7 – 12ª Câmara Cível – Relatora Juíza Substituta em Segundo Grau Suzana Massako Hirama Loreto de Oliveira – Julgado em 15.06.2016).
6 – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
– Dívidas quitadas ou prescritas. Acesso a crédito negado em razão de tais notícias. Dever de exclusão de informes de situações que possam indevidamente prejudicar o consumidor. Direito ao esquecimento. Mesmo colocando-se a concessão de crédito dentro da autonomia privada, o acesso a dados sobre questões já esquecidas pelo Direito Civil gera responsabilidade ‘in re ipsa’ do arquivista e do fornecedor de produtos e serviços que usou tal informação para negar crédito para aquisição de eletrodoméstico de uso essencial (Apelação Cível 70054612916 – 9ª Câmara Cível – Relator Desembargador Miguel Ângelo da Silva – Julgado em 16.07.2014).
– Crime contra a vida. Uso de casos pretéritos, já transcorridos mais de cinco 13
anos, como circunstância judicial desfavorável. Direito ao esquecimento. Impossibilidade de valorar-se negativamente penas já extintas para além do período depurador. Rejeição da tese de que não sendo possível reconhecer condenação anterior como reincidência, serviria como maus antecedentes (Apelação Criminal 70054718952 – 3ª Câmara Criminal – Relator Desembargador Diógenes V. Hassan Ribeiro – Julgado em 19.12.2013).
– Republicação recente de matéria jornalística de caso ocorrido em 1977, em que marido teria obrigado a então esposa a usar cinto de castidade. Perfeita identificação dos envolvidos. Abuso da liberdade constitucional de imprensa. Direito ao esquecimento envolve não ser lembrado contra sua vontade, especificamente em fatos desabonadores. Exposição da parte a comentários desabonadores e severa humilhação. Direito a indenização (Apelação Cível 70063337810 – 10ª Câmara Cível – Relator Túlio de Oliveira Martins – Julgado em 26.11.2015).
7 – Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Processo Civil. Penhora realizada há mais de dezoito anos por banco em razão de negócios realizados por empresa então titularizada pelos interessados. Impossibilidade de localizar a ação que originou a penhora. Inação do credor em promover execução do crédito. Direito ao esquecimento como elemento constitutivo da prescrição. Não reconhecimento da prescrição, que deveria ser apreciada pelo Juízo da causa, mas anulação da penhora (Apelação Cível 2011.071196-3 – 2ª Câmara de Direito Civil – Relator Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira – Julgado em 12.02.2012).
– Acidente aéreo e sequente subtração de bens ocorridos em 1980. Republicação da matéria. Conflito aparente de direitos fundamentais. Caráter informativo da notícia. Proporcionalidade. Atividade realizada nos limites da liberdade de imprensa. Direito ao esquecimento não pode revestir-se em manto para censura ou para limitar balizas essenciais do Estado Democrático de Direito (Apelação Cível 2015.021131-7 – 5ª Câmara de Direito Civil – Relator Desembargador Henry Petry Júnior – Julgado em 18.06.2015).
Conclusões:
Não é mais possível conceber a vida sem as facilidades e benefícios trazidos pelos sistemas de informática e do mundo cibernético. O modelo de vida rendeu-se às múltiplas interações, às redes sociais e as grandes distâncias não mais existem, quando se fala em propagação de 14
dados e informações; paradigmas foram alterados
Associado a todos esses benefícios, surgem novas questões que desafiam as estruturas então organizadas, constatando-se a fragilidade do atual sistema jurídico para securitização da vida privada e tutela dos interesses supraindividuais.
Visando à proteção dos direitos fundamentais e, consequentemente, da dignidade humana, em tema de sistema informático, devemos estar atentos para coibir práticas danosas como a exposição da vida privada.
Não podemos deixar de consignar o imperativo de normas efetivas para compelir os abusos via internet dos direitos individuais. É preciso investir mais na sua prevenção, o que só poderá ser feito através da conjugação de vontades políticas e esforços governamentais, da sociedade civil e dos setores privados.
Além disso, balizar o território da internet com marcadores claros, que traduzam limites e possibilidades de uso sem abuso, deve ser uma meta a ser conquistada para o futuro.
É imprescindível, pois, estabelecer um plano ético, multidisciplinar, para promoção do homem, para a justiça e para a paz, sem o que a dignidade humana não se realiza, tornando inócuos os fins sociais.
Por fim, frisamos a necessidade da conscientização da população e da sociedade, no sentido da fraternidade, do respeito ao próximo, da harmonização social em prol do respeito à dignidade da pessoa humana, raiz da liberdade e da justiça.